Mônica Vermelha

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quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Consumo, meio ambiente e qualidade de vida





Acho este texto brilhante, sempre achei, desde a primeira vez que o vi!



Vale a pena comprarmos carros para ir trabalhar, gastando rios de combustível para andar em primeira ou segunda? Ficamos um carro atrás do outro, por ausência de transporte coletivo, olhando os esgotos em que se transformou o rio Tietê por falta de tratamento e excesso de poluentes. Um quilômetro de metrô custaria aqui cerca de 40 reais por habitante. Pagamos 30.000 reais para andarmos a 14 quilômetros por hora. Tem lógica? Hoje levamos à morte inúmeros jovens que ocupam com as suas motos os restos de espaço viário que sobrou, entre um mundo de carros parados.

 O absurdo do nosso cotidiano de consumidor já não está por demonstrar. Na realidade, pela intensidade de trabalho que desenvolvemos para produzir coisas inúteis, pelo volume de coisas descartadas que desperdiçamos, pelo impacto ambiental de um consumo que não se sustenta e nos leva a impassses planetários, pelos custos adicionais para nos curar da obesidade e outras doenças geradas por consumo irracional, pelo isolamento social que gera a acumulação individual de bens, pelos gastos em segurança e desconforto geral que resultam da desigualdade e da elitização social, fica cada vez mais evidente a inadequação dos nossos mecanismos de regulação, a insuficiência de deixar simplesmente a corporação decidir por nós. Os eixos alternativos não resultam de algum desenho institucional prefabricado, mas de uma mistura de rejeição dos valores que nos são impostos com a busca pragmática de alternativas que funcionem. As pessoas simplesmente se defendem. O slow food é um movimento importante. Surgido na Itália a partir de pessoas preocupadas em ter uma vida mais agradável ainda que não necessariamente mais eficiente, o movimento tornou evidente o fato de que na corrida por nos tornarmos competitivos esquecemos que estamos gerando um desperdício monumental do único recurso absolutamente não renovável, que é o nosso tempo de vida. Aapropriação comercial do nosso tempo parece ser um progresso porque não leva em conta como valor o tempo não comercial da vida. Os exemplos são inúmeros, como o dos down-shifters nos Estados Unidos, que optam por uma vida com menos entulho de produtos comerciais e mais qualidade de vida, e representam na realidade um movimento cultural amplo e difuso, mas poderoso. Muita gente aprendeu a "votar com o bolso", tanto no plano negativo, deixando de comprar produtos que são ambientalmente agressivos, como no plano positivo, privilegiando produtos de cooperativas, de economia solidária e coisas do gênero. Na realidade, essa tendência está se ampliando, e leva muitas empresas a melhorarem a sua aparência cosmética, o que é positivo, pois gradualmente abre espaço para novas dinâmicas.
Comércio solidário
Outro eixo de ação consiste na organização da sociedade em torno de seus interesses. ainda que pontuais. Em numerosos lugares estão surgindo ONGs de intermediação financeira, onde a remuneração das aplicações é razoável, mas sobretudo o dinheiro é investido de forma socialmente útil: as pessoas estão simplesmente desintermediando os fluxos de poupanças, descobrindo que não precisam necessariamente sustentar os gigantes burocráticos que são os bancos modernos. Há comunidades que simplesmente optaram por criar a sua própria moeda, como o bairro de Palmas, em Fortaleza, Ceará. Frente ao arrocho de crédito que os bancos privados geraram e aos juros obscenos cobrados, Palmas emite a sua própria moeda, pois afinal trata-se de um meio de troca, e não de um valor em si. A experiência deu tão certo, em termos de dinamização da economia, que onze municípios estão adotando o sistema. O comércio solidário já se tornou uma tendência internacional. Numerosos autores disponibilizam as suas publicações gratuitamente para fins não comerciais, na linha de um novo tipo de copyright chamado de copy-left, na linha dos creative commons, considerando a criatividade como patrimônio comum da humanidade, e reagindo contra a apropriação privada do conhecimento. Muitas cidades têm sistemas de trocas de produtos. Cada bairro pode ter um evento de fim de semana em qualquer praça, onde são trocados produtos usados, as inevitáveis bicicletas ergométricas que entulham as garagens, o carrinho de bebê que já não comporta a criança e assim por diante. Uma medida que temos defendido, e que aparece nas propostas de Juliet Schor e de Hazel Henderson, consiste em cobrar 3 por cento do valor da publicidade (que de toda forma sai do nosso bolso), para financiar ONGs que possam fazer uma avaliação externa e objetiva dos produtos cujas qualidades são marteladas nos meios de comunicação. As empresas ainda ficariam com 97 por cento (também do nosso bolso) para dizer que os seus produtos são ótimos, mas pelo menos haveria um pouco de opinião independente. Muita gente hoje se dá conta de que os custos das embalagens saem do nosso bolso. Em muitos países, a empresa que entrega uma geladeira na nossa casa leva de volta a embalagem que, em vez de entulhar a nossa lixeira, vai servir para embalar outra geladeira. É freqüente também a cobrança de impostos às empresa que vendem refrigerantes em garrafas plásticas, incitando-as a buscar soluções mais inteligentes. a desperdício é um custo, e quem gera o desperdício deve carregar o ônus. A lista de iniciativas desse tipo é muito grande. Não é o nosso objetivo fazer o seu detalhamento, e sim mostrar que existe uma nova cultura de consumo em gestação, que as pessoas estão cansando de ser tratadas como retardadas mentais por uma publicidade debilóide, de trabalhar muito para sustentar intermediações inúteis, de custear uma sociedade do desperdício. O consumo inteligente pode ser um bom ponto de partida. Ele vai muito além das nossas polarizações ideológicas, e se prende ao simples bom senso.
Três pontos-chave
O primeiro ponto é que o consumo irresponsável leva ao colapso do planeta, pois estamos exterminando a vida nos mares, destruindo o solo agrícola, exaurindo os lençóis subterrâneos de água para irrigação, gerando um caos climático planetário através do desperdício energético, e assim por diante. Não é sustentável e seremos vistos pelas gerações futuras como genocidas da vida na Terra. O segundo ponto é que esse consumismo desenfreado não nos deixa mais felizes. Pelo contrário, ao individualizar as necessidades, isolamos os indivíduos, atomizamos a sociedade, o que mata a riqueza da vida cultural. As pessoas que optam por trabalhar um pouco menos e viver de forma mais rica estão simplesmente optando pela inteligência. a terceiro ponto é revalorizar o trabalho, pois temos uma parte da sociedade desesperada por trabalhar demais, e outra por não ter emprego. Isso mostra a que ponto chegamos em termos de irracionalidade nas nossas formas de organização. Quem acha que se sacrifica por ter de trabalhar deveria conversar um pouco com uma pessoa desempregada, para entender onde estão os sacrifícios. A redistribuição do esforço social é hoje uma necessidade. O que esses pontos têm em comum é o fato de apontar para a necessidade de a sociedade retomar o controle dos seus processos de desenvolvimento e se apropriar das transformações econômicas e sociais. Não são sugestões idealistas: a destruição ambiental e as explosões sociais estão aí, às nossas portas.
Mais trabalho para viver
Ao reduzir o consumo irresponsável haverá produto para todos e menos tensões sociais. Ao produzir de maneira inteligente, entregaremos o planeta razoavelmente menos destruí do aos nossos filhos. E, ao redistribuirmos o trabalho, estaremos trabalhando todos, e trabalhando menos, como diz a fórmula. Teremos mais tempo para viver. Isso se chama qualidade de vida, referência bem mais significativa do que o crescimento do PIE. As novas tecnologias, ao colocar nas nossas mãos instrumentos poderosos de extração de recursos naturais, de produção em massa, de ritmos acelerados, geram também um novo desafio: temos de nos dotar das formas de gestão social correspondentes a esse novo nível de desenvolvimento das forças produtivas. O vale-tudo do mercado, o darwinismo da sobrevivência do mais forte não são suficientes. E, se não avançarmos rapidamente por processos democráticos, para a sustentabilidade ambiental e a redução das desigualdades, haverá seguramente candidatos para defender regimes duros e fortes, para "colocar ordem" nas coisas.



Ladislau Dowbor é professor titular PUC de SP e da Universidade Metodista de SP, e doutor em Ciências Econômicas

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