Mônica Vermelha

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terça-feira, 25 de setembro de 2012

O ECA e a questão da (in)disciplina na escola.*

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A questão da indisciplina e da violência na escola é um tema que tem incomodado demasiadamente muitos dos educadores que trabalham na educação básica nas escolas brasileiras. Para lidar adequadamente com estes problemas, a escola precisa ter no seu regimento um capítulo que normatize a questão.
O regimento escolar deve ser elaborado coletivamente porque a cidadania e a democracia se aprendem praticando, exercendo no dia a dia, participando das decisões e ajudando a construir as “leis”, as regras de uma comunidade, no caso, a comunidade escolar. Alunos e professores, depois deste exercício democrático, certamente estarão mais e melhor credenciados a resolver os problemas que surgirem no curso da relação pedagógica.

A democracia é algo que devemos ensinar, e, sobretudo, praticar no cotidiano escolar, para isso é preciso que TODOS os membros da comunidade escolar possam e sejam incentivados a participar das decisões que afetam a todos, da concepção das regras que devem ser observadas por todos.

O processo de discussão, argumentação e votação do Regimento Escolar é um processo riquíssimo e tem uma fortíssima carga pedagógica, através dele os alunos aprendem, no mínimo, a argumentar e contra-argumentar, respeitar as opiniões e os direitos dos outros, conhecer as leis maiores do País, a refletir sobre as suas próprias práticas e a vislumbrar possibilidades de reparação de eventuais erros cometidos.
Em se tratando dessa discussão sempre deparamos com críticas contundentes ao Estatuto da Criança e do Adolescente(ECA) que, pelo senso comum, é visto como uma lei que acoberta os mal-feitos de crianças e adolescentes. Definitivamente, não é disso que se trata e adequada compreensão do ECA é imprescindível para que crianças e adolescentes sejam tratados como cidadãos e educados para, cada vez mais, exercer a sua cidadania. 

O Estatuto da Criança e do Adolescente vem estabelecer que CRIANÇAS E ADOLESCENTES TAMBÉM TEM DIREITOS, pois antes, na vigência do Código de Menores, eles não tinham os direitos de cidadania reconhecidos. O ECA é uma lei ordinária e se subordina à Constituição Federal que estabelece a igualdade de TODOS em direitos e deveres, portanto não é verdade que o ECA permite que crianças e adolescentes desrespeitem ou violem os direitos das outras pessoas. O Estatuto não retira a autoridade dos professores, nem dos pais, o Estatuto vem dizer aos professores e pais, principalmente, que a autoridade sobre as crianças e adolescentes, idealmente sobre qualquer pessoa, deve ser exercida de forma democrática, proporcional e educativa. Que não se deve punir uma criança/adolescente simplesmente por punir, deve-se “punir” sim os abusos, porém de forma pedagógica devido à “condição peculiar de pessoas em desenvolvimento” das crianças e adolescentes, que estão aprendendo a conviver em sociedade sob as égides da cidadania e da democracia.

O ato de indisciplina é uma “conduta que, apesar de não caracterizar crime ou contravenção penal, de qualquer modo, tumultua ou subverte a ordem na sala de aula e/ou na escola”. Cabe à comunidade escolar buscar conhecer, nos estatutos legais, quais as condutas são tipificadas como crimes ou contravenções e, caso essas ocorram dentro da escola, os casos devem, por óbvio, serem encaminhados à Justiça. Ter clareza da diferença entre ato infracional e indisciplina é essencial para que a escola não superestime e agrave problemas cotidianos, inerentes à convivência social, que podem ser resolvidos no âmbito da mesma.

A escola deverá, coletivamente, participativamente, definir quais são as condutas que caracterizam atos de indisciplina, quais sanções serão aplicadas em cada caso e qual instância escolar ficará encarregada de apreciar e aplicar as medidas disciplinares. As sanções devem ser proporcionais e se subordinarem às leis maiores como a Constituição Federal(CF) e o ECA.

As sanções disciplinares não podem, por exemplo, afrontar o direito das crianças e adolescentes ao acesso e permanência na escola, neste sentido, nenhum ato de INDISCIPLINA pode ser punido com suspensão, expulsão ou transferência compulsória, visto que essas sanções atentariam contra o direito à educação – direito fundamental de todo cidadão, além de serem, essencialmente, anti-pedagógicas. As sanções aplicadas aos alunos devem ainda ser fundamentadas, “expondo as razões que levaram a autoridade a entender comprovada a acusação e a rejeitar a tese de defesa apresentada pelo aluno e seu responsável”. Isso dará ao “acusado” as condições materiais para entrar com recurso, caso entenda que a decisão foi abusiva ou arbitrária e/ou violou algum dos seus direitos fundamentais.

A constituição Federal em seu artigo 5º, incisos LIV e LV, estabelece que o acusado tem direito ao devido processo legal. Inspirada no mandamento divino do “NÃO JULGARÁS”, estabelece que o autor tem direito ao contraditório e à ampla defesa e, no caso, das crianças e adolescentes, imediata comunicação aos pais ou responsáveis.
Não obstante esse processo seja de fato moroso e de difícil execução, é preciso considerar que ele é justo e pedagógico, pois protege o autor de eventuais arbitrariedades ou perseguições por parte da autoridade escolar e, dá oportunidade para que todos os envolvidos reflitam e discutam o que aconteceu, como aconteceu, porque aconteceu, o que deve ser feito para que não mais aconteça e o que se pode aprender com o acontecido. Isso é DEMOCRÁTICO, isso é PEDAGÓGICO!!!

O promotor de justiça Murillo José Digiácomo lembra-nos que “a obrigação do respeito a direitos e garantias constitucionais de parte a parte não tem idade, sendo direito – e também dever, de todo e qualquer cidadão, seja ele criança, adolescente ou adulto.”

Está escrito na Constituição Federal, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e no Estatuto da Criança e do Adolescente que a educação tem como objetivo “preparar o aluno para o exercício da cidadania”. A construção participativa do regimento escolar e o tratamento adequado dos casos de indisciplina na escola são excelentes oportunidades para que alunos, professores, pais, especialistas e diretores escolares ensinem, aprendam e pratiquem a democracia e a verdadeira cidadania. Mais do que comportamentos estigmatizantes e reforçadores da exclusão social, precisamos ensinar e praticar – nas salas e corredores escolares - o respeito, a cidadania, a democracia, o diálogo e o pensamento crítico. Não, não é fácil, mas é um desafio inerente ao processo de formação integral de pessoas, do qual decidimos um dia, sermos protagonistas junto com as crianças e os adolescentes.

* Este “artigo” foi inspirado no texto do Promotor de Justiça do Estado do Paraná, Murillo José Digiácomo: O ato de indisciplina: como proceder

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