Mônica Vermelha

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quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

AlGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE DEMOCRACIA E CORPORATIVISMO.

Buscando um possível caminho para que as demandas sociais, principalmente aquelas advindas das classes menos privilegiadas, pudessem ser melhor processadas foi que nos dispusemos a refletir sobre o mecanismo de intermediação de interesses representado pelo sistema corporativista, analisando o seu potencial enquanto sistema regulador das relações entre estado e sociedade e as suas possibilidades efetivas de contribuir para o aperfeiçoamento da democracia em sistemas políticos como o nosso. A primeira reflexão a que nos propusemos, acerca do conceito de estado, bem como suas funções, dimensão e limites de atuação, veio demonstrar a precariedade política e institucional do estado brasileiro no que se refere à credibilidade das instituições estatais, bem como à sua frágil capacidade de articulação e processamento das demandas sociais, além do problema crucial representado pela falência e péssima administração financeira do mesmo que, ao mesmo tempo que se vê impossibilitado de financiar os bens e serviços demandados pela sociedade, se vê cercado por episódios frequentes e irritantemente repetitivos de corrupção, malversação e impunidade. O problema da incapacidade do estado de processar as demandas oriundas da sociedade adquire proporções ainda mais alarmantes na medida em que se constata o quão pouco organizada é a sociedade brasileira e a necessidade de se promover uma participação política maior e qualitativamente melhor, que incorpore os amplos setores até então excluídos das arenas decisórias.
Na medida em que se lograr uma maior inclusão e organização social então os problemas estarão aumentados, pois isto significará uma expansão da demanda em contraposição à fragilidade das instituições responsáveis pelo processamento da mesma. Está efetivamente configurada a necessidade de uma redefinição e alargamento deste aparato institucional de forma a capacitá-lo ao adequado cumprimento de sua tarefa maior. Tal mudança não poderá deixar de considerar o modelo de gestão com vistas a tornar as organizações mais participativas através de procedimentos rotinizados capazes de torná-las mais abertas à participação regulamentada de todos os grupos ou indivíduos eventualmente interessados. Há que se pensar ainda em alguma forma de desburocratização, na perspectiva de conceder maior agilidade às instituições, visto que a morosidade e o excesso de formalismo são talvez os principais responsáveis pela escassa credibilidade de que gozam as mesmas. É imprescindível que sejam mantidos ou construídos parâmetros que garantam a isenção, a imparcialidade e a correção dos procedimentos executados no interior das instituições públicas. A desburocratização pode ser um caminho, entretanto, a nossa pesquisa aponta para a possibilidade de se buscarem estes objetivos por vias alternativas dentre as quais está incluído, indubitavelmente, a participação popular direta em algumas etapas do processo de formulação das políticas públicas objetivando diminuir o excesso de papéis, carimbos, assinaturas e prazos. A formação de conselhos fiscais populares, eleitos pelos grupos de interesse organizados na comunidade, talvez seja uma ideia a ser analisada visto que pode representar uma alternativa de gestão capaz de garantir a isenção dos procedimentos, conferindo-lhes, simultaneamente, maior agilidade. Nota-se que o excesso de burocracia é algo que compromete a credibilidade das instituições públicas na medida em que impõe aos processos uma morosidade e um formalismo que às vezes oneram o cidadão injustificadamente. É importante ressaltar ainda que os procedimentos burocráticos, muitas vezes estéreis, demandam tempo, energia e recursos de toda a natureza que deveriam estar sendo empregados no melhor cumprimento daquela que constitui a missão primeira da instituição pública em questão. O cidadão que assiste dioturnamente à sua exclusão em função de procedimentos sobre os quais não tem o menor entendimento e nem controle, tende a perceber a máquina pública como algo que trabalha contra ele e não a seu favor. A questão da democracia é também objeto de reflexão em nosso trabalho, na medida em que as críticas à democracia representativa, majoritária e parlamentar crescem e os cientistas sociais buscam a construção de modelos mistos, combinados ou complementares, que possam ampliar a possibilidade da participação popular no processo político. A Constituição Federal prevê alguns instrumentos de participação direta, entre eles o plebiscito, o referendo, a iniciativa popular e a formação de conselhos nos quais estado e sociedade integram esforços e recursos rumo à busca de alternativas mais democráticas, ágeis e menos custosas para os problemas ou demandas comunitárias. No caso brasileiro, a nosso ver, a participação popular é dificultada, se não inviabilizada muitas vezes, pela necessidade da maioria dos cidadãos de se dedicarem exclusivamente ao problema da sobrevivência própria e da família, o que impede que o cidadão comum possa dispender tempo e outros recursos na tarefa de se organizar e defender os seus direitos e interesses. Algum grau de equalização ou provimento de serviços básicos será necessário para possibilitar as condições mínimas necessárias ao exercício da participação. Retomando Bobbio, podemos falar da necessidade de ampliação do lugar da participação, de tal forma que modelos de gestão mais democráticos sejam adotados nas instituições estatais e em outras instâncias onde as decisões afetam o conjunto das pessoas envolvidas; vale dizer, a fábrica, a escola, a família etc. A introdução, proposta pelo modelo corporativo, de outros atores que passam a incorporar o processo decisório, tornando-o mais democrático e participativo representa, no nosso caso, um avanço rumo à democratização das relações entre o estado e a sociedade. Não obstante, isso não é suficiente para conferir alta legitimidade à nossa democracia, visto que, questões anteriores continuam irresolvidas, inviabilizando ou neutralizando as supostas vantagens deste modelo. É necessário dizer que o Brasil, antes, ou, pelo menos, simultâneamente, de buscar formas procedimentais alternativas, terá que buscar a sua própria identidade, conformando com traços mais distintivos suas classes trabalhadora e empresarial e buscando uma legitimação do estado brasileiro enquanto fautor do interesse público e árbitro isento de disputas classistas. O problema das relações do estado com os segmentos dos trabalhadores e dos empresários e da chamada "dependência estrutural do estado capitalista em relação ao capital", bem como a questão da representatividade das organizações que falam em nome de ambos são outros dos temas que nos preocupam rumo a uma eventual mitigação da influência única e informal que os empresários exercem sobre o aparelho do estado. É inescapável o reconhecimento de que há que se buscar uma distribuição de renda mais justa e uma redefinição dos sistemas trabalhistas, partidário e eleitoral com vistas à legitimação e fortalecimento das instituições que possuímos, tais como os partidos políticos, os sindicatos e os parlamentos, que se configuram como peças fundamentais na construção daquele que chamamos o corporativismo adequado às nossas necessidades. Tal como vários autores haviam alertado, dentre eles Offe, O'Donnell e Stepan, o corporativismo não possui a capacidade intrínseca de mudar o caráter das relações de classe, ou seja, é incapaz de produzir relações de igualdade. Portanto, numa sociedade como a nossa, com seus atributos de extrema desigualdade e exclusão, parece-nos claro que a mera implantação da fórmula corporativa, sem uma preocupação com a reestruturação institucional, viria reafirmar e legitimar o domínio de uma classe sobre a outra, contribuindo em quase nada para o aprimoramento da nossa tão frágil democracia.

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